quinta-feira, 17 de junho de 2010

Folha de São Paulo - Bando é acusado de fraudar concursos públicos por 16 anos

JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO - COTIDIANO

São Paulo, quinta-feira, 17 de junho de 2010

Bando é acusado de fraudar concursos públicos por 16 anos

Polícia Federal prendeu 12 acusados e identificou fraudes em seu próprio concurso e nos da OAB e da Receita Federal

Ao menos 120 pessoas pagaram até R$ 270 mil para ter acesso aos exames; grupo atuava em todo o país
LUCAS FERRAZ
DE BRASÍLIA
A Polícia Federal prendeu ontem uma quadrilha especializada em fraudar concursos públicos em todo o país. Gabaritos e respostas eram vendidos por até R$ 270 mil.
Ao menos 120 pessoas pagaram para ter acesso aos exames. A Operação Tormenta identificou fraude em concursos da própria Polícia Federal, do exame da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e da Receita Federal.
Concursos da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) e da Anac (Agência Brasileira de Aviação Civil) também estão sob suspeição.
Doze integrantes do grupo foram presos, entre eles um policial rodoviário federal acusado de receber propina para desviar o material quando era transportado.
O chefe da quadrilha, dono de um cursinho preparatório em SP, vendia provas a interessados e a distribuidores e aliciadores, diz a PF. Em alguns casos, as respostas eram repassadas aos candidatos por pontos eletrônicos.
A PF identificou a fraude em fevereiro ao analisar o histórico dos mais de 200 candidatos do curso para agentes federais, prática rotineira a aspirantes -segundo o delegado Victor Hugo Alves, pensou-se que alguns poderiam ter sido infiltrados por organizações criminosas.
"Candidatos que entram em cargos públicos por fraudes ficam vulneráveis, podem ser assediados por organizações criminosas", afirmou David Salen, chefe de inteligência da PF.



16 ANOS

Dos alunos que pleiteavam vaga de agente da PF, 53 tiveram acesso a testes comprados, mas só 6 chegaram à fase final do curso, que acaba amanhã. Serão expulsos.
No concurso de auditor fiscal da Receita, as suspeitas de fraudes se estendem há 16 anos, desde que foi realizado. Quarenta e um alunos brigavam na Justiça para fazer o curso da Esaf (Escola de Administração Fazendária), passo anterior à diplomação.
No ano passado, conseguiram esse direito, já que não se comprovou a fraude.
Durante o curso, que acabou no dia 4, um aluno procurou a quadrilha para comprar nova prova. Foi quando a PF comprovou o crime.
Cada um dos 41 novos auditores, se efetivados, teria direito a R$ 3 milhões, referentes a salários desde 1994.
No exame da OAB, ao menos 26 pessoas tiveram acesso às respostas. Mas a prova já tinha sido cancelada por suspeita de fraude. Um fiscal flagrou um aluno colando.
Quem comprou provas e não foi preso será indiciado por interceptação e estelionato. Integrantes do grupo presos responderão por falsificação de documentos públicos, quebra de sigilo funcional, formação de quadrilha, entre outros.
A mesma quadrilha já havia tentado, sem sucesso, fraudar outros concursos: Caixa, Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Faculdade de Medicina de Ouro Preto e Santa Casa de Santos.

"DESANIMADOR"
Saber de fraudes no exame da OAB é "desanimador", diz Renata Hauenstein, do quinto ano de direito da Unip. "Você estuda cinco anos, muitos fazem até um ano de cursinho e depois vem alguém com muito dinheiro e "passa'", lamentou.

Ministro defende mudanças de regras em concurso público

Segundo titular do Planejamento, todos os que fraudaram provas serão demitidos

DE BRASÍLIA

O ministro Paulo Bernardo (Planejamento), chefe da pasta que regula a administração federal, disse que todos os servidores que ingressaram no governo por meio de fraude serão demitidos.
Ele ainda defendeu mudanças nas regras dos concursos públicos, prática que, segundo o próprio ministro, atrai anualmente cerca de 5 milhões de pessoas.
"Isso tem que levar a uma revisão das regras dos concursos. Não podemos ter concursos vulneráveis, sujeitos a fraudes. O concurso tem que ter lisura, transparência", afirmou, sem especificar possíveis mudanças.
Segundo Paulo Bernardo, que conversou ontem com o chefe da PF, Luiz Fernando Corrêa, havia servidor favorecido pela fraude pedindo para atuar em áreas estratégicas do governo. "Tem gente que queria entrar para fazer maracutaia", declarou.
Os concursos da PF e da OAB foram organizados em 2009 pela Cespe (Centro de Seleção e de Promoção de Eventos), da Universidade de Brasília -cerca de 1,1 milhão de pessoas se inscreveram em concursos elaborados pela instituição.
O Cespe, responsável por transportar as provas, informou à Folha que a fraude ocorreu quando o material estava nas dependências da Polícia Rodoviária Federal.
Afirmou ainda que não tinha conhecimento de nenhuma fraude nos concursos públicos.

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