Reginaldo Cruz
Pela segunda vez o Brasil, em especial
o Rio de Janeiro, sedia um evento da ONU sobre Meio Ambiente. A Conferência das
Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, que será realizada entre os
dias 13 e 22 de junho, está sendo chamada de Rio+20 em referencia aos 20 anos
da ECO/Rio 92 - a Conferencia sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento da ONU também
realizada na capital fluminense.
No período de duas décadas que separa a
duas Conferências muito se discutiu e, apesar do conceito “desenvolvimento
sustentável” estar em voga e ter sido apropriado pelo capital como peça de
propaganda; pouco se concretizou em termos de políticas efetivas e ações
governamentais na defesa do meio ambiente.
Durante o Fórum Social Mundial Temático
(FSMT) realizado em Porto Alegre no mês janeiro deste ano para discutir
propostas dos setores populares para serem levadas à Conferência Rio + 20, o
Instituto Justiça Fiscal (IJF),
em parceria com o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal
do Brasil (Sindifisco Nacional), realizou a oficina “Justiça fiscal como instrumento para redução das desigualdades e
transparências das contas públicas”, com o objetivo de inserir o tema
“política fiscal” nas discussões da conferencia da ONU.
Ao final da oficina no FSMT, foi
aprovado um documento que será apresentado à Rio+20, intitulado “Mensagem à Conferência das Nações Unidas
Sobre o Desenvolvimento Sustentável (Rio+20)– Justiça Fiscal Para Redução de
Desigualdades”.
Para os participantes da oficina no
FSMT, faz se necessário inserir como tema central nos debates sobre a
sustentabilidade a discussão sobre a importância dos Sistemas Fiscais para a
construção de um modelo de desenvolvimento justo e sustentável, de uma sociedade
solidária e de economia mais estáveis e que as propostas aprovadas na Conferencia
Rio+20 possam sair do campo da retorica e se transformar em políticas
concretas.
Para o auditor fiscal da Receita
Federal e um dos fundadores do IJF, Dão Real Pereira dos Santos (foto), a Rio+20 será
uma oportunidade para a sociedade refletir sobre os paradigmas atuais de
consumo, bem como quais serão os instrumentos para interferir de forma concreta
na definição de políticas públicas. “O debate sobre sistema fiscal não pode
ficar restrito a algumas pessoas, mas deve ser apropriado pela sociedade como
um todo. O Brasil é um país rico, mas possui um povo pobre”, afirmou.
Na entrevista abaixo ele defende o
desenvolvimento de políticas de Estado e mudança na estrutura tributária para
garantir inclusão social e para rever valores de desenvolvimento e consumo
A Rio+20 será realizada em um momento em que o país e a
cidade do Rio de Janeiro estão às vésperas de sediar, respectivamente, a Copa do
Mundo de futebol em 2014 e as Olimpíadas em 2016. Esses grandes eventos
esportivos têm demandado a realização de grandes obras, com óbvios impactos
ambientais e sociais. Além disso, o crescimento da economia na última década
tem demandado obras de infraestrutura que, além de onerosas do ponto de vista
financeiro, causam grande impacto ambiental e social.
Em sua avaliação, a Conferência Rio+20 poderá representar um
espaço para ampliar e dar visibilidade ao debate ambiental. Qual a expectativa
dos movimentos sociais que estão discutindo o tema?
Dão Real Pereira dos Santos:
Creio que a Rio +20 será um momento muito importante para um debate
profundo, não apenas sobre as questões de fundo, como o paradigma
do consumo e a crise ambiental, mas principalmente sobre os
instrumentos que a sociedade terá que dispor no futuro para exercer uma
participação mais ativa. É fundamental criar espaço para a democratização
dos temas sensíveis, para que a sociedade possa decidir sobre a
viabilização do seu futuro.
O Instituto Justiça Fiscal e o Sindifisco Nacional
realizaram uma oficina no Fórum Social Temático, em Porto Alegre, propondo que
a questão fiscal seja inserida nos debates da Conferência Rio+20. Qual a
importância da discussão do tema Justiça Fiscal qual a relação deste tema
com o debate ambiental?
Dão Real Pereira dos Santos
Desde o Fórum Social, ocorrido em janeiro de 2012, estamos elaborando um
documento para a Rio +20 que propõe basicamente o resgate do papel do
Estado na construção de um desenvolvimento mais justo
e sustentável. Uma das principais a questões que a conferência deverá
enfrentar será justamente o conflito entre os modelos colocados. É ao Estado ou
ao mercado que caberá a responsabilidade de garantir direitos das gerações
futuras? Tendo em vista a história recente, o mercado, desregulamentado, será
capaz de produzir a inflexão necessária ao desenvolvimento econômico com vistas
à redução das desigualdades e preservação dos recursos naturais? É possível
construir um desenvolvimento que não esteja fundado unicamente no crescimento
econômico e que priorize o interesse geral da sociedade?
Enfim, o debate fundamental, me parece,
deverá ser sobre o modelo de organização social que terá mais condições de
promover a construção de uma sociedade mais justa.
Como os sistemas fiscais, definidos como mecanismos
tributação, arrecadação e definição dos gastos públicos podem contribuir para a
efetivação de políticas sustentáveis ambientalmente?
Em primeiro lugar é preciso reconhecer
que os sistemas fiscais decorrem da organização social que tenha como
institucionalização o Estado. Assim, os sistemas fiscais devem ser vistos como
instrumento para a execução dos objetivos que justificam a existência do
próprio Estado, ou seja, o bem comum. Os sistemas fiscais, que abrangem a
tributação e os gastos públicos são os instrumentos pelos quais os Estados,
regularmente constituídos, são modelados. É na configuração dos sistemas
fiscais que se revelam os fundamentos que balizam a organização do Estado. Assim, os sistemas fiscais são instrumentos
poderosos à disposição das sociedades para direcionar toda a organização social
no sentido de uma nova concepção de desenvolvimento que privilegie a
distribuição de renda, a redistribuição de riquezas e o respeito às gerações
futuras. O sistema fiscal significa, portanto, a interferência da sociedade
como um todo na viabilização do futuro.
Qual o papel do Estado na definição e aplicação de políticas
sustentáveis do ponto de vista social e ambiental?
Dão Real Pereira dos Santos:
Este é o tema-chave de toda a Conferência Rio +20. Não tenho dúvidas de que a
contínua redução do papel Estado, observada nos últimos anos de uma economia
fundada na doutrina neoliberal, associada à apropriação do Estado para o
atendimento prioritário dos interesses privados, foi um dos fatores principais
para a aceleração da degradação ambiental e para o aumento das desigualdades
sociais. O Estado, enquanto forma de institucionalização das sociedades, tem um
papel fundamental na defesa do interesse público e na definição dos
limites.
Qual sua avaliação da política tributária brasileira neste
contexto?
Dão Real Pereira dos Santos:
Não é novidade que o sistema tributário brasileiro é regressivo e privilegia o
capital. Isso consta em várias pesquisas do IPEA, e significa que a política
tributária brasileira tem sido a de onerar mais os mais pobres e menos os mais
ricos. O sistema tributário brasileiro, portanto, é um fator de produção de
desigualdades sociais. Além disso, a definição da política tributária não leva
em conta inúmeros princípios e fundamentos que determinam, de um lado a justiça
fiscal (redução das desigualdades) e de outro, um desenvolvimento mais
sustentável e justo. As definições da política tributária têm levado em conta
tão somente o interesse privado e/ou a necessidade de caixa das administrações
públicas. Princípios de sustentabilidade ambiental, por exemplo, não são considerados.
Com isso, mesmo na utilização da política tributária como estímulo a
determinados setores produtivos, acabamos muitas vezes incentivando os setores
com alta produção de lixo e de degradação ambiental, criando custos sociais
cada vez mais elevados.
As duas décadas que separam a ECO/Rio 92 da Rio+20 foi
marcada pelo auge das políticas neoliberais, na década de 1990 e início dos
anos 2000 e declínio desta política a partir da crise econômica deflagrada em
2007. Neste período, embora o debate ambiental tenha ganhado espaço na
sociedade e o termo desenvolvimento sustentável tenha virado moda, inclusive
peça de publicidade, houve aumento da degradação ambiental. Assim, pode-se
afirmar que a políticas de livre mercado, sem regulação Estatal, fracassaram
também nesta questão?
Dão Real Pereira dos Santos:
O crescimento da consciência internacional de finitude dos recursos naturais e
da responsabilidade social não veio acompanhado da implementação de políticas
públicas nacionais e internacionais que pudesse barrar o processo crescente de
degradação. Isso se deve muito ao fato de que, especialmente nestas duas
últimas décadas, os instrumentos institucionais que seriam capazes de
implementar novas concepções de desenvolvimento foram apropriados pelos agentes
econômicos e pela lógica do crescimento sem limite. O problema parece estar
localizado na falta de instrumentos. O Estado, e os Estados de forma
organizada, que deveriam ser as instituições legítimas para fazer implementar
políticas públicas que conduzissem a um novo modelo, estão reféns da própria
lógica que aprofunda a degradação, a exaustão e a exclusão.
Após a realização da ECO/Rio 92, as Conferências da ONU,
como a sobre Mudanças Climáticas realizada em Copenhague (Dinamarca) em 2009 e
as metas estabelecidas pelo protocolo de Kioto (Japão, 1997), de uma forma
geral, redundaram em grandes fracassos, ou, no mínimo, ficaram muito aquém do
esperado. Em sua opinião, essa tendência pode ser superada na Conferência
Rio+20? Qual papel da sociedade e dos movimentos sociais nesta questão?
Dão Real Pereira dos Santos:
Creio esta é mais uma oportunidade. As conferências oficiais têm fracassado,
sem dúvida. No entanto, podemos observar que a consciência acumulada nas
sociedades tem começado a se transformar em mobilização social. Se os Estados
são a institucionalização das sociedades, então está na hora de as sociedades
começarem a impor responsabilidade aos Estados. É preciso desprivatizar a
estrutura dos Estados. O interesse público deve prevalecer. É uma incoerência
imaginar que o setor privado será capaz de atender de forma adequada o
interesse público. É uma contradição.
De outro lado, se percebe cada vez mais
claramente que a lógica econômica que nos conduziu à situação que chegamos, não
será capaz de inverter o processo. Não há, nem haverá recursos suficientes para
garantir bem estar a toda população mundial. Ou aceitamos a desigualdade (a
maioria das pessoas vivendo na absoluta pobreza para que alguns possam usufruir
altos padrões de consumo) ou teremos que redefinir o desenvolvimento, o que
significa, obrigatoriamente, implementar políticas de redistribuição das
riquezas.
A reversão do modelo depende
fundamentalmente do resgate dos Estados, como braços institucionais das
sociedades, dando-lhe condições suficientes, inclusive para regular e
disciplinar os mercados e fluxos financeiros. Mas para isso, é preciso
reconhecer antes, internacionalmente, que existe um conjunto de valores
fundamentais que devem ser respeitados por todos e que tem relação com a
justiça social e ambiental e com os direitos das gerações futuras.
Fundado em agosto de 2011, o Instituto Justiça Fiscal é uma
associação civil, sem fins lucrativos, com sede em Porto Alegre/RS e atuação em
todo o território nacional. Tem por finalidade o aperfeiçoamento do sistema
fiscal com vistas a torná-lo mais justo e capaz de contribuir para a redução
das desigualdades sociais e regionais.
O
Instituto Justiça Fiscal é fruto da iniciativa de um conjunto de pessoas e de
entidades representativas que compartilham a ideia de que o sistema fiscal, que
compreende a definição das políticas e a administração do ciclo das finanças
públicas, da arrecadação à execução dos gastos e controle dos recursos
públicos, é elemento constituinte do Estado e definidor do seu modelo.