sexta-feira, 18 de maio de 2012

Artigo: Aduana – Órgão de controle e de fiscalização

Por Dão Real Pereira dos Santos*

Muito se tem discutido acerca dos objetivos de uma aduana, especialmente uma aduana inserida no sistema de administração tributária como a Aduana brasileira. Embora pareça ser evidente que cabe a qualquer aduana o controle e a fiscalização dos fluxos internacionais de comércio, este debate ganha relevo quando confrontado com orientações emanadas da Organização Mundial de Aduanas - OMA, especialmente no que se refere ao papel das alfândegas em relação aos ambientes de negócios internacionais. 

A expressão “facilitação do comércio internacional” trazida pela OMA como sendo um novo desafio a ser somado ao rol de objetivos tradicionais das aduanas, acabou sendo incorporada à missão da SRF (versão anterior a atual), com o texto “prover a segurança, confiança e facilitação para o comércio internacional”. Aliás, relativamente ao controle aduaneiro, a missão da SRF, na época restringia-se a esta expressão. 

Uma simples análise gramatical do texto da missão já permitiria deduzir que a SRF, na época, e no que se refere ao controle e fiscalização aduaneiros, estaria a serviço do comércio, pois tanto a segurança, quanto a confiança e a facilitação, que lhe cabia prover, eram dirigidas ao comércio internacional, como se fosse apenas uma etapa da cadeia logística internacional. Nenhuma expressão havia no sentido de que as atenções da Aduana devessem voltar-se para o atendimento dos interesses difusos da sociedade, relativamente à segurança, à saúde, ao emprego, ao meio-ambiente, à economia, etc. 

Esta preocupação exacerbada com a fluidez do comércio e com os interesses dos seus operadores revelava-se de forma expressa nas metas institucionais então vigentes e nos indicadores de eficiência considerados para as atividades de controle aduaneiro, os quais se restringiam unicamente à diminuição do tempo médio de despacho aduaneiro. 

A Constituição Federal, no entanto, ao estabelecer que a fiscalização e o controle sobre o comércio exterior são essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais e que tais atividades, fiscalizar e controlar, competem ao Ministério da Fazenda, define, em relação a este Ministério, que o comércio exterior é objeto de sua atuação, e não objetivo. 

Art. 237. A fiscalização e o controle sobre o comércio exterior, essenciais à defesa dos interesses fazendários nacionais, serão exercidos pelo Ministério da Fazenda. 

Aliás, só há duas ocorrências da expressão “comércio exterior” na Constituição Federal e apenas o Artigo 237 traz alguma alusão à competência do Estado, relativamente a este tema.  

Em documento publicado em junho de 2008, pela OMA (Anexo II ao Doc. SC0090E1a), intitulado “AS ALFANDEGAS NO SÉCULO XXI”, são ratificados e reafirmados conceitos importantes sobre o papel que as Aduanas devem exercer no cenário internacional. Já na sua introdução, o referido documento chama a atenção para a contradição que se apresenta entre os objetivos de garantia de segurança e de controle e as exigências de uma maior facilitação ao comércio lícito. 

Nos primeiros 8 anos do séc. XXI, as Alfândegas têm enfrentado exigências consideráveis (e, por vezes, contraditórias) decorrentes da globalização do comércio. Por um lado, há a necessidade de uma segurança e um controle eficazes das cadeias logísticas internacionais; por outro lado, existem crescentes exigências de uma maior facilitação do comércio lícito. 

Segundo o referido documento, as responsabilidades dos Estados Nacionais se ampliaram a partir do reconhecimento por parte das Nações Unidas de que o desafio nuclear que estes Estados enfrentam é o de garantir que a globalização se torne uma força positiva para toda a população mundial. Segundo a ONU, a globalização não reduz, mas redefine o papel dos Estados. Dentre as responsabilidades atribuídas aos Estados Nacionais nesta nova ordem global, destacam-se os desafios impostos às aduanas pela ampliação do comércio internacional, especialmente no que se refere ao controle das fronteiras, à segurança e à proteção dos cidadãos. 

Controle das fronteiras: garantir fronteiras seguras é uma das mais antigas funções do Estado. O desempenho dessa responsabilidade num mundo muito aberto é mais importante e exigente do que nunca. Os Estados têm reconhecido que o comércio internacional e a integração econômica levantam novos desafios globais em matéria de segurança, que têm de ser abordados internacionalmente para que possam ser desenvolvidas soluções comuns; 

Proporcionar segurança: o conceito de proporcionar segurança, também uma das funções nucleares do Estado, tem-se expandido da noção tradicional de segurança militar e política nacional, para também incluir a segurança económica nacional; e 

Proteção dos cidadãos: a proteção dos cidadãos contra ameaças como os alimentos contaminados, os brinquedos perigosos e os produtos contrafeitos (como produtos de consumo, medicamentos e outros) também constitui um novo imperativo para as Alfândegas. 

Os governos exigem que os organismos do Estado, incluindo as Alfândegas, sejam orientados para o serviço e cumpram as expectativas das sociedades e empresas. Por outras palavras, a administração aduaneira tem de garantir o desempenho das suas tarefas e, em simultâneo, atender às expectativas dos outros intervenientes. 

É de se acrescentar que também deveria ser reconhecida expressamente a responsabilidade imposta às aduanas quanto à necessidade crescente de proteção do meio-ambiente, das riquezas naturais e do patrimônio histórico/cultural das Nações. 

Embora o referido documento afirme a orientação de que às Aduanas cabe também o desenvolvimento e implementação de um conjunto integrado de políticas e procedimentos que garantam proteção, segurança e facilitação do comércio lícito e a cobrança eficaz de receitas, ele reconhece expressamente que o papel da alfândega é o de controlar o movimento de mercadorias e, desse modo, garantir a defesa dos interesses do Estado e salvaguardar a cobrança de receitas. Os objetivos fundamentais têm sido os de garantir a conformidade com as políticas e leis do Estado aplicáveis à movimentação transfronteiriça de mercadorias, combater o contrabando e zelar pela segurança das fronteiras. 

No final do ano de 2008, após debates internos que envolveram toda a organização, foram revistos os marcos institucionais e a missão da RFB foi modificada para “Exercer a administração tributária e o controle aduaneiro com justiça fiscal e respeito ao cidadão, em benefício da sociedade”. 

Neste novo contexto, no que se refere ao controle aduaneiro, fica claramente definido que a ação da RFB deverá estar voltada ao interesse da sociedade, devendo ser realizado com justiça fiscal e respeito ao cidadão, o que não contraria, de forma alguma, as responsabilidades reconhecidas pela OMA. Diferentemente do que havia anteriormente, com a nova missão a Aduana volta suas atenções para dentro do País, de forma mais afinada com o dispositivo constitucional, sem perder de vista a necessária inserção do País no cenário econômico internacional. 

O comércio internacional, assim como outras atividades econômicas desenvolvidas no País, deve ser estimulado, por tratar-se de um importante fator de desenvolvimento nacional, na medida em que aumenta a competitividade do País no mercado global e melhora as condições de produção da economia doméstica. 

O papel fiscalizador e controlador do Estado, exercido por diversos órgãos públicos, dentre eles a RFB, não se confunde com as atividades de fomento e de estímulo às atividades econômicas em geral, nem a elas pode se submeter. Aliás, o contrário é desejável, todas as atividades organizadas devem se submeter aos órgãos de controle e fiscalização. 

De outro lado, o exercício de tal controle não deve impor às atividades econômicas custos desnecessários e exorbitantes nem obrigações acessórias não justificadas. Por conta disso, é constante a necessidade de aperfeiçoamento dos instrumentos de controle e fiscalização e de simplificação das normas e dos procedimentos realizados por estes órgãos. O exercício do controle deve pautar-se no princípio da neutralidade, ou seja, agir sobre um determinado objeto sem interferir na atividade, ou interferindo o mínimo necessário para garantir o cumprimento das obrigações. 

Outros Ministérios poderão estar voltados ao fomento de determinadas atividades econômicas, tendo como atribuições o desenvolvimento de programas de estímulos e incentivos. Assim, por exemplo, ao Ministério de Desenvolvimento da Indústria e do Comércio Exterior - MDIC, cabem diversas atividades referentes ao fomento e facilitação do comércio, inclusive do comércio exterior. 

A própria Câmara de Comércio Exterior – CAMEX, que é presidida pelo Ministro do MDIC, também tem suas atenções voltadas para o ambiente de negócios, tendo por objetivo, em relação à facilitação do comércio, coordenar esforços no contexto atual de ampliação do comércio, competição agressiva e de falta de recursos logísticos mais eficientes e competitivos (infra-estrutura, transporte e prestadores de serviços). 

Embora a ampliação da participação do País no cenário de comércio internacional seja relevante, não se podem subverter os reais objetivos dos órgãos de controle e de fiscalização. À Aduana, no contexto da RFB e do Ministério da Fazenda, caberá atuar sobre o objeto “Comércio Internacional” com vistas a garantir a adequação dos fluxos internacionais às normas internas do País. 

O interesse público no controle do Estado sobre o comércio justifica-se pela tutela necessária dos valores e das riquezas nacionais. O emprego, a produção doméstica, a saúde pública, a segurança, o meio ambiente, a biodiversidade, as riquezas minerais e o patrimônio histórico/cultural do País são apenas alguns exemplos da ampla gama de valores que devem preocupar a Aduana brasileira. 

O fluxo de bens e pessoas pelas fronteiras territoriais do País, que decorre preponderantemente do comércio internacional, constitui o fato jurídico objeto do controle aduaneiro, a partir do qual, as várias dimensões relativas ao interesse do Estado precisam ser observadas. 

O controle e a fiscalização do comércio internacional deve ser realizado, portanto, a partir da ótica do interesse público e não da ótica do próprio comércio. Inúmeros mecanismos têm sido desenvolvidos pelos competentes órgãos governamentais para implementar medidas de simplificação e estimulo ao comércio internacional, uma vez que, como já exposto anteriormente, também esta atividade interessa ao País, impondo, inclusive, limites às atividades desenvolvidas pelos órgãos de controle e de fiscalização, limites estes que não devem ficar aquém da margem mínima de segurança que requer o interesse público. 

Não se pode confundir, portanto, os objetivos de cada um dos órgãos governamentais. É do equilíbrio entre as distintas competências dos diversos órgãos de Estado, uns promovendo e estimulando, outros controlando e fiscalizando, que se garante a precedência do interesse público. 

A simplificação dos procedimentos administrativos, que muitas vezes é colocada como sendo o objetivo final e único do propósito expresso da facilitação ao comércio internacional, deve ser buscada, outrossim, por toda a administração pública para todas as atividades e não apenas em relação ao comércio internacional. Aliás, nem se poderia imaginar que a administração pública tivesse por objetivo a complicação de suas relações com os administrados. 

A simplificação desonera as atividades econômicas e facilita a vida dos cidadãos, além de que, e principalmente, estimula o cumprimento voluntário das obrigações, aspecto extremamente relevante também para os órgãos de controle e fiscalização. 

Enfim, a facilitação é meio e não fim. 

*Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil

sexta-feira, 11 de maio de 2012

Diretor do Cesit vê cenário otimista, mas alerta sobre dependência do mercado financeiro

Em palestra realizada nesta quarta-feira, dia 9, no Auditório da DRF Campinas, o professor do Instituto de Economia da Unicamp e Diretor Adjunto do Cesit (Centro de Estudos Sindicais e Economia do Trabalho) Anselmo Luiz dos Santos, traçou um cenário otimista da atual situação econômica brasileira, mas alertou sobre a manutenção da submissão da economia aos interesses do setor financeiro, o que constrange investimentos no setor público e consequentemente força a uma política de restrição salarial dos servidores.

No início da palestra, o professor Anselmo fez uma análise da economia na última década, observado que neste período, que atinge os dois mandatos de Lula e o início governo de Dilma Roussef, houve importantes mudanças. Para o economista, apesar do aumento da dívida pública, houve elevação da taxa de investimento público e o Brasil vem crescendo de forma continua desde 2004.

Na crise econômica que eclodiu em 2008, já no segundo mandato de Lula, o país conseguiu se sair bem, segundo o palestrante. Na análise do professor Anselmo, neste período houver maior regulação estatal na economia, apesar de o país ainda não ter constituído um padrão sustentável de desenvolvimento.

De acordo com o palestrante, as políticas anticíclicas adotadas pelo governo neste período garantiram um crescimento médio de 4% de PIB que, se comparado com o ritmo de crescimento do país nas duas décadas anteriores e às mudanças ocorridas na estrutura demográfica neste período – com a redução do número de jovens que entram no mercado de trabalho a cada ano - esse índice de crescimento foi suficiente para mudar a relação social no Brasil.

Ainda neste ponto, o diretor do Cesit destacou como fundamental o papel desempenhado pelo BNDES no financiamento dos investimentos públicos na economia. O economista também ressaltou a valorização do salário mínimo na última década, que, apesar de ainda ser baixo, cresceu acima do PIB e constituiu-se em um dos principais políticas de redução da pobreza.
Outros pontos apontados por Anselmo Luis do Santos foi a queda na taxa de desemprego, hoje em torno de 6%, aumento da renda dos trabalhadores autônomos.
Após fazer uma análise otimista da política macro econômica, o professor Anselmo destacou pontos que considera que não houve mudanças, com o aumento do déficit em conta corrente, o processo de desindustrialização e a falta de autonomia tecnológica. Para ele, o país não tem condições de desenvolver de forma sustentada se não tiver estrutura.

Na questão tributária, o palestrante criticou o que chamou de entulho neoliberal, como a política de desoneração das empresas e a falta de tributação sobre o patrimônio e renda dos mais ricos.

As mudanças no sistema de previdência do setor público também foi alvo de crítica. Para o professor Anselmo, o único setor beneficiado com a criação do fundo de previdência é o mercado de capitais que irá gerir os recursos desses fundos.

Por fim, o professor criticou a manutenção da hegemonia do setor financeiro, que força o governo a cortar gastos para obter superávit nas contas públicas e com isso constrange os investimentos públicos e consequentemente força à restrição aos salários dos servidores públicos. Para o professor Anselmo Luis dos Santos, é necessário fazer o enfrentamento em defesa do setor público e combater a lógica de mercantilização dos serviços público.



Por que os milionários pagam menos tributos?

*Dão Real Pereira dos Santos
É evidente que os tributos indiretos sobre o consumo incidem mais pesadamente sobre os que ganham menos e que utilizam quase toda sua renda para o consumo, e menos sobre os que ganham mais e que possuem capacidade de acumulação. Já os tributos diretos, que incidem sobre o patrimônio e a renda, têm a capacidade de dar ao sistema tributário uma certa dose de equidade, na medida em que podem ser dimensionados para pesar mais sobre quem tem mais.
No entanto, o baixo peso dos tributos diretos no bolo tributário total e a falta de progressividade ou uma progressividade inexpressiva em suas alíquotas não permitem que os mesmos possam ser utilizados como mecanismo de compensação da regressividade dos tributos indiretos. O sistema tributário, portanto, afeta os contribuintes de forma predominantemente regressiva, retirando mais recursos de quem tem menos e menos de quem tem mais.
Assim, fica fácil de perceber que aqueles que detêm as maiores rendas e riquezas são sempre mais beneficiados pela tributação.
O milionário norte-americano Warren Buffet já havia alertado que enquanto ele estava sujeito a uma alíquota tributária média de 17%, a renda de sua secretária estava sujeita a uma alíquota de 30%. Isso não ocorre apenas nos EUA, mas na maioria dos países. Os milionários são normalmente beneficiados pelos sistemas tributários.
Não bastassem o baixo peso dos tributos diretos na arrecadação total e sua inexpressiva progressividade, parte das rendas nacionais, justamente as rendas do capital, não são sequer tributadas. Os milionários brasileiros, quase que invariavelmente, têm seus rendimentos originários de distribuição de lucros de suas empresas e negócios, e gozam de isenção do Imposto de Renda. Assim, enquanto os trabalhadores assalariados pagam Imposto de Renda sobre seus ganhos, os empresários têm isenção sobre os lucros retirados.
Outra fonte relevante de seus ganhos está no resultado de aplicações no mercado financeiro ou em ganhos de capital, cujas alíquotas do Imposto de Renda são sempre inferiores às alíquotas incidentes sobre as rendas do trabalho.
Portanto, os milionários pagam menos tributos porque são menos atingidos pelos tributos sobre o consumo e porque se beneficiam das vantagens decorrentes da origem de seus ganhos. A falta de isonomia de tratamento entre as rendas em função da origem cria uma situação completamente discriminatória contra os mais pobres.
Além disso, grande parte da riqueza acumulada decorre também de heranças. A falta de um imposto sobre grandes fortunas e a falta de progressividade dos tributos sobre herança produzem também um ambiente extremamente favorável à concentração de renda, em prejuízo da sociedade.
Essas são algumas formas de explicar o tratamento privilegiado concedido aos milionários, mas não explica suas causas, que tem origem, sem dúvida, na estrutura de poder. A apropriação do público pelo privado é conseqüência direta da submissão histórica das decisões políticas aos interesses econômicos e financeiros. O sistema político brasileiro ainda é essencialmente patrimonialista e se alicerça nas idéias de que o Estado é um negócio privado e de que o poder tem um preço, convertendo financiadores de campanha em credores.
A proteção do Estado aos ricos e super ricos na forma de privilégios fiscais e monetários, haja vista o tamanho dos gastos para o pagamento de serviços da dívida, é totalmente incompatível com a idéia de Estado de Bem Estar Social e contraria os objetivos republicanos de redução das desigualdades sociais e regionais, com distribuição de renda e riqueza, previstos na Constituição Federal de 1988.
*Presidente do Instituto Justiça Fiscal