sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Artigo: Oportunismo

(Clemilce Sanfim de Carvalho*) 22/09/2011 -
A mídia está repleta de notícias desencontradas sobre financiamento da Saúde. Não só isso: confundem comprometimento de receitas de municípios, estados e União com necessidade de criação de receita para os programas do Sistema Único de Saúde (SUS).
 
A Emenda 29, que disciplina esse comprometimento, está adormecida no Congresso Nacional há longos anos, cremos que por desconhecimento do que se trata, ou pelo oportunismo de se tentar conseguir ‘mais algum’ por parte dos prefeitos, governadores e parlamentares. Felizmente, nem todos. Trata-se, simplesmente, de disciplinar o uso das receitas públicas em poder e sob gestão de estados e municípios, impedindo, por exemplo, seu uso para custear merenda, saneamento básico, pessoal.
 
Grande número de municípios já destina os 15%, previstos na Emenda 29, para os compromissos da Saúde. Igualmente, a maioria dos estados já compromete 12% – e até mais – para atender as obrigações do SUS em sua área de abrangência. A União, no que cabe ao Ministério da Saúde, destinou, em 2010, R$ 61,096 bilhões para a cobertura de seu vasto programa de atendimento básico, vacinação, hospitalização, aquisição de insumos, pessoal etc., recursos oriundos do Orçamento da Seguridade Social.

É impróprio e errado afirmar que a União custeou o sistema SUS. Ele se mantém, desde sua inserção na Constituição Federal de 1988, com as receitas da Seguridade Social, dispostas no artigo 195. É dinheiro vertido como contribuição para a Seguridade; não arrecadado por meio de impostos. 

Há mazelas na Saúde pública e sabemos bem quais são! Por omissão de recursos? Por erros de gestão? As duas coisas, pensamos. Não houvesse o absurdo da Desvinculação de Receitas da União (DRU) aplicada ao Orçamento da Seguridade Social, não haveria desvio sucessivo, ano a ano, de recursos que, se usados principalmente na Saúde e na Assistência Social, transformariam para melhor a qualidade dos serviços prestados e o perfil do povo brasileiro, o mais carente e necessitado. 

Os estudos da ANFIP (Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil) estampam em suas publicações que, de 2005 a 2010, foi alcançado da Seguridade Social o espetacular montante de R$ 309,86 bilhões! Este é o saldo acumulado, que foi desviado pela DRU e, parte, retida no Tesouro Nacional. Os números estão aí para comprovar.
 
Por que defendemos a tese da irregularidade da utilização do mecanismo da DRU nas receitas da Seguridade Social? Porque princípio constitucional exige a anterioridade da receita para a criação ou expansão de benefícios. Assim, também nos parece que não podem permanecer benefícios com a retirada de seu financiamento. É claro! O que hoje se arrecada para toda a Seguridade Social, não só a Saúde, é suficiente para seus programas e até sua expansão, se for excluída do seu âmbito a inoportuna DRU.
 
Prova disso foi a própria extinção da CPMF, em dezembro de 2007: dinheiro, na realidade, não falta.

É absurdo pensar que recursos deixem de atender precatórios de segurados do INSS, à saúde da clientela do SUS ou aos cidadãos em estado de vulnerabilidade social, para serem desviados para o superávit fiscal do governo! Às vezes, recursos que sobram após a desvinculação (DRU) são encaminhados, pelo Tesouro, para atender à necessidade de outros órgãos públicos! Cabe alguma explicação das autoridades gestoras do orçamento do país.
 
Tal como isca jogada ao mar, falam em nova CPMF; na CSS; muito rapidamente no imposto sobre as grandes fortunas; agora, no pré-sal... Mais recursos nunca são demais; porém, os querem para atender ao Orçamento Fiscal, o da União. Este sim, deficitário. Então, vamos jogar limpo com o contribuinte; com a sociedade.
 
Vamos pensar em aumentar especificamente a receita da União. E não criar novas fontes de recursos para a Seguridade Social, para continuar drenando, ano a ano, como vasos comunicantes, dela para o Tesouro Nacional.
 
Não há desfinanciamento em nosso sistema de Seguridade. Ele pode se expandir; e isto seria bom. Como fazer: executando os créditos inscritos em dívida ativa; abolindo as isenções tributárias; destinando recursos do pré-sal para compensar os desvios havidos nas contas da Previdência Social ao longo de sua existência; e outras ações corajosas mais. Voltaremos ao assunto 
(*Auditora-Fiscal da Receita Federal do Brasil - clemilcecarvalho@bol.com.br

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