segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Funcionalismo ameaça Dilma com greve geral - Jornal Valor Econômico



Por Caio Junqueira | De Brasília


O funcionalismo público federal ameaça com uma greve geral o governo da presidente Dilma Rousseff. Após oito anos de proximidade com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, responsável pela concessão dos melhores acordos salariais desde a redemocratização, as categorias que representam os cerca de 1 milhão de servidores públicos estão insatisfeitas com o tratamento dispensado a elas pela sua sucessora. Em 2011 reivindicaram aumento de salários equivalente a R$ 40 bilhões, mas o governo concedeu apenas R$ 1,6 bilhão. Neste ano, Dilma já avisou que as negociações que vierem a acontecer não contemplarão novos reajustes.
Algumas razões sustentam essa sombria perspectiva para o governo do PT, que teve o movimento sindical como um dos mais consistentes pilares durante a sua formação. A principal delas é que o último grande reajuste foi feito em 2007, o primeiro ano do segundo mandato de Lula. Foram R$ 35,2 bilhões divididos em três parcelas anuais até 2010, com resíduos em 2011.
Finalizadas essas parcelas, no ano passado as categorias aguardavam novos reajustes. Segundo o Ministério do Planejamento, da soma das reivindicações Dilma cedeu somente R$ 1,6 bilhão e apenas para a área da educação. E mandou recados de que, se houvesse concessões no futuro, não seria naquele montante pretendido. A justificativa oficial: a necessidade de manter os compromissos fiscais associada às incertezas do cenário econômico internacional.
A explicação pode ser insuficiente para acalmar os sindicatos, que, neste ano, se animam com a possibilidade de afrouxamento na política fiscal por conta das eleições municipais. O funcionalismo pretende obter não só reajustes, mas também melhorias nas condições de trabalho. São mencionadas a falta de estrutura tanto nas fronteiras do país quanto nos novos campi abertos por Dilma e Lula, além da excessiva terceirização e falta de segurança, por exemplo, para os fiscais do trabalho.
O pedido mais vistoso, porém, é de recomposição salarial decorrente de perdas causadas pela inflação acumulada desde o acordo de 2007. O IPCA acumulado no período foi de 24,58 % o que, ao menos por ora, ainda não sensibilizou Dilma. Na gestão Lula, a folha de salários teve crescimento real de 36%, o que representou ganhos importantes para praticamente todas as categorias dos servidores.
"As perspectivas não são boas e as sinalizações de Dilma são piores. Vamos apostar nas negociações até esgotá-las e se elas não avançarem, vamos radicalizar", disse Josemilton Costa, secretário-geral da Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef). Ligada à CUT, o órgão representa mais de 700 mil servidores, quase 70% de todos os funcionários do Executivo nacional. Não bastassem os possíveis efeitos da crise internacional, ele aponta ainda outro fator que tem contribuído para tensionar a relação com a presidente: "Dilma não é do movimento sindical como Lula era. A relação com ela é distante e isso interfere nas negociações."
Tal relato é frequente nos sindicatos ligados ao funcionalismo público federal. Citações como "fomos enrolados", "fomos ludibriados" e "fomos enganados" são recorrentes nas diversas carreiras. O fato concreto que sustenta essa avaliação também é comum. No primeiro semestre, houve promessas por parte do negociador oficial, o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva (veja entrevista com ele nesta página), de que os servidores teriam ao menos parte das reivindicações atendidas. Próximo ao prazo final, a mando do Palácio do Planalto, as entidades foram informadas de que não seriam contempladas com praticamente nada.
"O governo Lula conversava e o governo Dilma também conversa. Só que, com Lula, a conversa tinha consequências. O governo tinha intenção de negociar e dar aumento. Com Dilma não há nada efetivo para oferecer. Há muita conversa e pouca ação", afirma Pedro Delarue, presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindfisco). De acordo com ele, "neste ano as insatisfações vão estourar". "Nós mesmo estamos nos preparando. Se as propostas resultarem em algo que não reconheça as perdas podemos chegar a um movimento para demonstrar a nossa insatisfação."
Não que uma eventual greve seja novidade no governo Dilma. Em 2011, duas entidades, o Sindicato Nacional dos Servidores Federais da Educação Básica, Profissional e Tecnológica (Sinasefe) e a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das Universidades Públicas Brasileiras (Fasubra) pararam entre 1º de agosto e 26 de outubro.
Só que as outras duas principais entidades educacionais, o Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (Andes) e o Fórum de Professores das Instituições Federais de Ensino Superior (Proifes), não aderiram e seguiram adiante nas conversas com o governo. Foi a única classe que conseguiu tirar algo de Dilma no seu primeiro ano de mandato: promessa de reestruturação da carreira de professor e 4% de reajuste, abaixo, portanto, da inflação.
Esse processo mostrou outra característica da relação com o funcionalismo sob o comando de Dilma, segundo os sindicalistas: a aposta na fragmentação dos interlocutores justamente para fragilizá-los. "O governo estabeleceu com quem queria negociar. Decidimos parar a greve quando vimos que estávamos isolados. Quando você negocia com parte do movimento você enfraquece todo o movimento", afirma William Carvalho, coordenador do Sinasefe.
Ele avalia, porém, que essa estratégia será prejudicada em 2012, tendo em vista que os servidores sentirão ainda mais as perdas com a inflação e já estarão mais preparados para negociar com Dilma, por conta da experiência de 2011. "O governo tem que se organizar porque vai ter que controlar a economia e o ânimo dos trabalhadores. Terá que quebrar nossa unidade de novo, só que com menos dinheiro ainda para gastar. E quem teve acordo abaixo da inflação vai perceber isso."
Essa unidade começou a ser buscada nesta semana, na primeira reunião do fórum que reúne 32 entidades sindicais do funcionalismo federal. Ali foram ventiladas possibilidades de atuação, mas não houve uma definição clara sobre a estratégia a ser adotada neste ano. Se por um lado percebe-se facilmente uma insatisfação geral com Dilma, por outro há divergências quanto ao melhor caminho a seguir.
Isso se deve ao fato de a maioria das organizações sindicais do funcionalismo público, assim como no setor privado, estar vinculada a partidos políticos. Nesse sentido, sindicatos mais favoráveis à greve tendem a ser mais ligados a partidos de oposição à Dilma. Em especial os situados à extrema-esquerda com pouca ou nenhuma representação no Congresso Nacional, como PSTU e PSOL. Consideram, portanto, uma paralisação como o espaço ideal para impor seu discurso. Em outra frente, estão as entidades mais moderadas, muitas delas oriundas do petismo.
Esse quadro ficou nítido com o que ocorreu no setor da educação em 2011. As entidades que fizeram greve, Fasubra e Sindsefe, são mais oposicionistas, embora a primeira seja mais dividida. A que liderou as negociações com o governo Dilma, o Proifes, foi criado em 2004, de dentro do governo Lula. Desde então, desidratou a Andes, que sempre liderou o setor e também é mais ligada à oposição. Só que em 2011, caminharam juntas pela primeira vez.
Dirigente do Proifes, o professor de matemática da Ufscar, Gil Vicente, nega haver governismo na entidade. "Não se pode colocar um debate sindical a reboque de forças partidárias e na nossa avaliação era isso que ocorria. Entidades sempre querendo reajustes inviáveis para gerar conflito. Era greve todo ano e o salário caindo", disse. Vicente classifica a atuação do Proifes como "mais que pragmática, embora independente". Declara ainda haver muitas entidades que "estão aí para fazer a revolução do proletariado e derrubar o capitalismo".
E, ao contrário da maioria dos sindicalistas com os quais o Valor conversou, diz que a situação econômica externa tem tido muito mais influência no curso das conversas com o governo do que a passagem da era Lula para Dilma. Segundo ele, "a greve não está descartada, mas também não está no horizonte". Um alento para a presidente da República.
'Não haverá concessão por ser ano eleitoral'
Por De Brasília

Ilkens Souza/Ministério do Planejamento / Ilkens Souza/Ministério do PlanejamentoPaiva: "A presidenta tem demonstrado que é um governo de continuidade"
No cargo desde junho de 2007, o secretário de Recursos Humanos do Ministério do Planejamento, Duvanier Paiva, foi o responsável por negociar os acordos que promoveram os maiores reajustes para o funcionalismo público federal desde a redemocratização. Todos eles assinados no segundo mandato do governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Sem a intimidade com o movimento sindical que o seu antecessor tinha, a presidente Dilma Rousseff optou por manter em seu governo o mesmo negociador. Entretanto, se na era Lula Paiva teve o papel de distribuir aos funcionários públicos as benesses do crescimento econômicos, no primeiro ano de governo Dilma seu papel foi o de segurar as categorias após lhes passar as informações sobre os poucos, quase nulos, reajustes de 2011.
"Foi um ano difícil. Todo primeiro ano tem naturalmente uma posição cautelosa em relação a orçamento e gasto, principalmente com pessoal. E também houve a crise internacional", disse em entrevista ao Valor.
Sua avaliação é de que em 2012 esse relacionamento tende a ser mais conflituoso, não só pelas incertezas da crise, mas também por ser ano eleitoral. Segundo ele, além de o tempo para negociações diminuir, a disputa política "se dissemina por todos os espaços". Ele, porém, alerta: "O governo não faz concessão por ser ano eleitoral". Nascido em São Paulo, ele construiu boa parte de sua carreira no meio sindical. Foi assessor político da CUT, secretário de Formação da CUT-SP e idealizador e coordenador da Escola Sindical de São Paulo. Veja a seguir trechos da entrevista ao Valor:
Valor: Há muita reclamação do funcionalismo sobre a relação com Dilma. Por que?
Duvanier Paiva: Sempre houve greve e mobilização. O sindicato é para isso mesmo. Reclama, vem para cima. Está cumprindo o papel dele. Em 2011 tivemos um resultado político importante. Fizemos a mesa permanente de negociação, o que significa um exercício permanente do diálogo. Então todo esse processo de conversação e de diálogo permitiu que chegássemos a um momento em que os sindicatos compreenderam a crise. Fizemos poucos acordos, atendemos demandas represadas, com impacto orçamentário pequeno. Em 2012 haverá pouco impacto de pessoal.
Valor: Como avalia a relação de Dilma com o funcionalismo?
Paiva: Foi um ano difícil. Todo primeiro ano exige uma posição cautelosa em relação a Orçamento e gastos, principalmente com pessoal, um gasto polêmico que a sociedade discute muito. Então houve cautela. Além disso, foi um ano de crise internacional. Então o relacionamento com o funcionalismo ficou difícil. Mas mesmo assim mantivemos o diálogo, mostramos que os reajustes não viriam, até porque os que foram dados no último período Lula foram importantes.
Valor: Essa relação com Lula ajudou a segurar as greves?
Paiva: Em 2007 e 2008 fizemos acordos de médio prazo a serem pagos em três parcelas em 2008, 2009 e 2010. Algumas classes tiveram resíduos em 2011. O governo Lula não deu nada, negociou. Foram conquistas dos sindicatos, resultado da mesa de negociação. Fizemos 48 acordos que resultaram na reorganização de várias carreiras e de toda a estrutura remuneratória do funcionalismo federal, com resultados expressivos para várias carreiras da União.
Valor: Há uma mudança na relação do governo Dilma com Lula?
Paiva: Não há. A comparação é óbvia e natural, mas a presidenta tem demonstrado que é um governo de continuidade em relação aos compromissos assumidos pelo anterior, com a valorização do trabalhador e dos segmentos mais vulneráveis da sociedade. As prioridades mostram que há continuidade de governo. O fato de não ser sindicalista não significa que ela não tenha uma visão da importância da classe trabalhadora. Algum sindicalista pode achar que não, que a relação com Lula era diferenciada, mas no resultado não há diferença. Exemplo disso é a política de salário mínimo. Na nossa opinião, não há qualquer prejuízo do ponto de vista histórico e político. Ela tem compreensão das classes sindicais.
Valor: Mas praticamente todos estão falando em greve.
Paiva: É natural. Em 2011 teve esse problema da crise e era também o primeiro ano de governo. Houve poucos reajustes. Então neste ano vai ter uma pressão grande. A mesma que encontramos em 2003, quando assumimos. Havia uma defasagem [salarial] grande, que foi recuperada. Os sindicatos acham que precisam conquistar o máximo agora porque em 2011 fizemos só o necessário, ou seja, porque só atendemos à demanda represada dos anos anteriores. Então é natural que estejam se preparando para vir para cima da gente com toda a força. Mas também estamos preparados. Nossa preparação é o diálogo. Eles sabem que o que vai resolver é a conversa na mesa de negociação.
Valor: Deve ser o ano mais difícil dos governos do PT?
Paiva: Tem uma dificuldade que é o fato de ser ano eleitoral. O calendário encurta.
Valor: Qual o efeito de uma eleição nessa negociação?
Paiva: Em ano não eleitoral temos até agosto para conversar, que é o prazo para o Orçamento ser enviado. No ano eleitoral, temos que resolver, no máximo, em julho, fim de junho. Temos menos tempo. E é um ano de disputa política. Há um grau de mobilização maior.
Valor: O governo tende a ceder mais?
Paiva: O governo não faz concessão por ser ano eleitoral. O espaço de tempo para negociar é menor, todos os interesses e projetos políticos estão ligados, há intensa mobilização e debate, tudo está em jogo e a disputa política acaba se repetindo e se disseminando por todos os espaços. Mas os próprios sindicalistas sabem que o governo não vai ficar mais frágil ou ceder mais porque é um ano eleitoral. Isso é um fetiche. O que há é a eleição funcionando como um intensificador do debate, o que significa que o resultado da negociação vai ser de qualidade.
Valor: Ainda sobre as reclamações, parece que os governadores enfrentaram muito mais problemas com seus servidores do que a União. Concorda?
Paiva: A diferença é a negociação. Relação de trabalho é conflituosa. Mas todos acham que na administração pública não há conflitos porque o servidor adere a um estatuto e não a um contrato de trabalho. Isso criou um senso comum de que essa relação de trabalho não é conflituosa. Isso é falso. Há conflitos. Por isso o governo desenvolveu a negociação. Existe uma mesa permanente que trata de todas as relações com o servidor federal. A diferença é essa. Existe um processo de tratamento desses conflitos.
Valor: O que mudou do governo Lula para o de Dilma?
Paiva: Como sou secretário desde o governo Lula, meu olhar é de continuidade. E tem um dado importante. Sou secretário de Recursos Humanos e a partir de fevereiro vou ser secretário de Relações do Trabalho. Será uma secretaria voltada especialmente para tratar das relações com o servidor. Significa valorizar a negociação, ter uma estrutura própria para isso. A presidenta, então, consolida um processo de negociação. Vamos ter uma estrutura em tempo integral para tratar exclusivamente do relacionamento com o servidor. (CJ)

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